Racismos e r-existências no Tocantins: um Estado “novo” estruturado em violências coloniais contra indígenas
DOI:
https://doi.org/10.20435/tellus.v23i50.920Palabras clave:
racismo, Povos Indígenas, políticas públicas, educação, TocantinsResumen
A ideia de que manifestações de racismo se dão apenas em situações mais acentuadas e escancaradas de preconceito e discriminação esconde a ocorrência de ordens sociais racistas que estruturam instituições, diretrizes e políticas públicas. Com base em revisão da temática de teorias e práticas relacionadas ao racismo, em especial em contextos periféricos, e a partir de realidades verificadas e vivenciadas no Estado do Tocantins, apresenta-se um panorama constituído de persistências e naturalizações do racismo contra povos indígenas por diferentes angulações. Criado em 1998 juntamente com a Constituição Federal de 1988, o Estado “novo”, ainda que se valha de reiteradas e múltiplas representações culturais de identidades associadas a indígenas desde as movimentações iniciais de formação do discurso e da articulação por autonomia, segue reproduzindo relações de hierarquia e subordinação em termos étnico-culturais. O contraste entre “indígenas desejados” e “indígenas negados” evidencia justamente esse duplo tratamento dispensado aos povos indígenas no Tocantins: por um lado, são reconhecidas a obrigatoriedade e a necessidade de políticas que possam considerar a diversidade; por outro, modelos são impostos “de cima para baixo”, reforçando lógicas desiguais sob o manto de uma pretensa interculturalidade. Tais formas de racismo, especialmente na área da educação, vêm sendo, entretanto, enfrentadas também por movimentos de r-existências.
Citas
ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? [Feminismos plurais]. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/SECAD; LACED/Museu Nacional, 2006.
BARRETO, Marcos Rodrigues. “Índios de Papel – Construção discursiva colonizadora sobre o indígena no Brasil”. Brasiliana – Journal for Brazilian Studies, Londres, v. 5, n. 1, 2016: 10-32.
BARTH, Fredrick. “Etnicidade e o conceito de cultura”. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, Niterói, n. 1, 1995.
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; KURROSCHI, Andreia Rosa da Silva. “Estudantes indígenas no Ensino Superior: o programa de acesso e permanência na UFRGS”. Políticas Educativas - POLED, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 1-20, 2013.
BICUDO, Virginia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo: Editora Sociologia e Política, 2010.
BITTAR, Mariluce; OLIVEIRA, João Ferreira de; MOROSINI, Marília (Org.). Educação Superior no Brasil. Brasília: INEP, 2008.
BONIN, Iara. “Racismo: desejo de exterminar os povos e omissão em fazer valer seus direitos”. In: CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO [CIMI]. Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil. Dados 2014. Brasília: CIMI, 2015.
BRASIL. Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 2006.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República; Casa Civil; Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1988.
CAMPOS, Aline; CÂNCIO, Raimundo Nonato de Pádua. Permanência de estudantes indígenas na Universidade Federal do Tocantins: desafios e potências do PIMI no Curso de Pedagogia de Tocantinópolis. In: CÂNCIO, Raimundo Nonato de Pádua. Reflexões sobre acesso ingresso e permanência de estudantes indígenas na Universidade Federal do Tocantins. Tocantinópolis: EDUFT, 2020. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/editora/article/view/10714/18329. Acesso em: 30 jun 2021.
CAVALCANTE, Maria do Espírito Santo Rosa. O discurso autonomista do Tocantins. São Paulo: Editora da UCG/Edusp, 2003
CICCARONE, Celeste; RAMOS, Danilo Paiva. “Etnocídio bolsonarista: estudo sobre os crimes contra pessoas e povos indígenas pós-Comissão Nacional da Verdade”. In: TELES, Edson; QUINALHA, Renan (Org.). Espectros da ditadura: da Comissão da Verdade ao bolsonarismo. São Paulo: Autonomia Literária, 2020. p. 417-65.
CLASTRES, Pierre. Arqueologia da Violência. São Paulo: Cosac Naify, 2004
CORDEIRO, Maria José de Jesus Alves. Negros e indígenas cotistas da universidade estadual de Mato Grosso do Sul: desempenho acadêmico do ingresso à conclusão de curso. 2008. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios do Brasil: história, direitos e cidadania. São Paulo: Claro Enigma, 2012.
DUSSEL, Enrique. “Europa, modernidade e Eurocentrismo”. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005. p. 25-34.
FANON, Frantz. Em defesa da revolução africana. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1980.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difel, 1972.
FREIRE, José Ribamar Bessa. Cinco Ideias equivocadas sobre os índios. Revista do Centro de Estudos do Comportamento Humano (CENESCH), Manaus, n. 1, p. 17-33, set. 2000.
GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Guia de enfrentamento do racismo institucional. São Paulo: GELEDÉS - Instituto da mulher negra, 2013a.
GELEDÉS - INSTITUTO DA MULHER NEGRA. Racismo institucional: uma abordagem conceitual. São Paulo: GELEDÉS - Instituto da mulher negra, 2013b.
GOLDBERG, David Theo. The racial state. Oxford: Blackwell, 2002.
GOLDMAN, Marcio. A relação afroindígena. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 23, n. 23, p. 213-22, 2014.
GOMES, Janaína Damaceno. Os Segredos de Virgínia: estudo de atitudes raciais em São
Paulo (1945-1955). 2013. Tese (Doutorado Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
GONZÁLEZ, Lélia. “Cultura, etnicidade e trabalho: efeitos linguísticos e políticos da exploração da mulher”, In: GONZÁLEZ, Lélia. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. Rio de Janeiro: Diáspora Africana, 2018. p. 54-76.
GONZÁLEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.
GUARANI, Jerá. Tornar-se selvagem. Piseagrama, Belo Horizonte, n. 14, p. 12-19, 2020.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. “Racismo e anti-racismo no Brasil. Novos Estudos, São Paulo, n. 43, p. 26-44. 1995.
HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
HASHIZUME, Maurício Hiroaki. “Quando outros personagens mudam o cenário: lutas dos movimentos indígenas a partir da constituição de 1988”. In: TAVARES, Ana Claudia Diogo Tavares. VIEIRA, Fernanda Maria da Costa; QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana; PARDO, Ana Lúcia Ribeiro; HASHIZUME, Mauricio Hioraki; PENTEADO, Claúdio Luis Camargo; SANTOS, Marcelo Burgos Pimentel dos; ARAÚJO, Rafael de Paula Aguiar. Movimentos populares, democracia e participação social no Brasil. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2016. p. 139-178.
KRENAK, Ailton; PATAXÓ, Genilson dos Santos de Jesus; URBANO, Elisa; SÁ, Lucia; MILANEZ, Felipé, Existência e Diferença: o racismo contra os povos indígenas. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 2161-181, 2019.
LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005
MALDONADO-TORRES, Nelson. A topologia do Ser e a geopolítica do conhecimento. Modernidade, império e colonialidade. Revista Crítica de Ciências Sociais (RCCS), Coimbra, v. 80, p. 71-114, 2008.
McCALLUM, Cecilia; RESTREPO, Eduardo; REESINK, Edwin. “Apresentação do Dossiê: Racismo no Plural nas Américas: povos indígenas e afro-indígenas”. Anthtopológicas, Recife, Ano 21, v. 28, n. 2, p. 1-5, 2017.
MELO, Valéria Moreira Coelho de; GIRALDIN, Odair. “Os Akwẽ-Xerente e a busca pela domesticação da escola”. Tellus, Campo Grande, ano 12, n. 22, p. 177-99, 2012.
MILLS, Charles. “Critical Race Theory: a reply to Mike Cole”. Ethnicities, [s.l.], v. 9, n. 2, p. 270-81, 2009.
MILLS, Charles. The racial contract. Ithaca: Cornell University Press, 1997.
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: e bandeiras nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE AMERICANISTAS, 31., 1955, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 1955.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS [ONU]. Resolução 61/295 (UN Doc /RES/61/295) - Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Nova Iorque: Assembleia Geral das Nações Unidas, 2007.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO [OIT] Convênio 169 - Convênio sobre povos indígenas e tribais em países independentes, Genebra: OIT, 1989.
PEIXOTO, Kércila Priscilla Figueiredo. Racismo Contra Indígenas: reconhecer é combater. Anthropológicas, Recife, ano 21, v. 28, n. 2, p. 27-56, 2017.
PINTO, Ana Fláva; CHALHOUB, Sidney (Org.). Pensadores negros, pensadoras negras: Brasil, séculos XIX e XX. Belo Horizonte: Fino Traço, 2020.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. “De saberes e de territórios: diversidade e emancipação a partir da experiência Latino-Americano”. GEOgraphia, Niterói, v. 8, n. 16, p. 41-55, 2006.
QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina”. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, p. 2005.
RAMOS, Alberto Guerreiro. “A UNESCO e as relações de raça”. In: NASCIMENTO, Abdias. O negro revoltado. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1968. p. 153-59.
RODRIGUES, Patrícia de Mendonça. “O caso dos Avá-Canoeiro do Araguaia: racismo como naturalização do humano”. In: REUNIÃO BRASILEIRA De ANTROPOLOGIA (RBA), 30., João Pessoa. Anais [...]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba (UFPB), 2016.
SALES JUNIOR, Ronaldo. “Democracia racial: o não-dito racista”. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 229-58, 2006.
SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo. São Paulo: Veneta, 2020.
SEPÚLVEDA, Juan Guillermo Mansilla; BILLEKE, Claudia Andrea Huaiquián; ARANGO, Diana Elvira Soto; VELIZ, Juan Carlos Beltrán; FRUTOS, Sonia Valle de. Historia y Violencia: Asesinatos de Líderes Indígenas Guardianes del Medio Ambiente en América Latina, 2016-2019. HALAC – Historia Ambiental, Latinoamericana y Caribeña, Anápolis, vol. 11, núm. 2, p. 43-69, 2021.
SILVA ÃWA, Kamutaja. Do Cativeiro à luta: história pós-contato e protagonismo do povo Ãwa. Revista Antígona, Porto Nacional, v. 1, n. 2, p. 100-22, 2021.
SILVA, Reijane Pinheiro. O índio negado e o índio desejado: a “pacificação” dos indígenas na construção da identidade do Tocantins. Tellus, Campo Grande, ano 10, n. 19, p. 145-62, 2010.
SILVA, Wilson Honório da. O mito da democracia racial: um debate marxista sobre raça, classe e identidade. São Paulo: Sundermann, 2016.
SKURSKI, Julie; CORONIL, Fernando. “Introduction: states of violence, violence of states”, In: SKURSKI, Julia; CORONIL, Fernando (Ed.). States of Violence. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2006. p. 1-31.
SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. “On Indigenism and Nationality in Brazil”. In: URBAN, Greg; SHERZER, Joel (Ed.). Nation-States and Indians in Latin America. Austin: University of Texas Press, 1991. p. 236-57.
Descargas
Publicado
Cómo citar
Número
Sección
Licencia
Derechos de autor 2022 Maurício Hashizume, Elvio Marques, Rogério Srône
Esta obra está bajo una licencia internacional Creative Commons Atribución 4.0.
Todos os artigos publicados na Revista Tellus estão disponíveis online e para livre acesso dos leitores, tem licença Creative Commons, de atribuição, uso não comercial e compartilhamento pela mesma. Direitos Autorais para artigos publicados nesta revista são do autor, com direitos de primeira publicação para a revista. Em virtude de aparecerem nesta revista de acesso público, os artigos são de uso gratuito, com atribuições próprias, em aplicações educacionais e não-comerciais.